17.9.09

Assombro


Confiava na sua sombra: se sempre se mexesse era um sinal seguro de que ainda vinha viva. Não tirava o olho dela nem para ir à missa de terça-quarta-quinta. Assim, a cada prenúncio de noite morava o desespero que não morria. De não saber se ainda viva estava e era por isso que passava o tempo inteiro da noturna sorte num sono profundo. E era por isso aliás que rezava para o sol nascer direito. Quando da angústia de não ver o rastro efêmero do seu corpo marcado de dúvidas no chão, nas paredes, em qualquer canto que fosse, lequiava os próprios dedos num gesto corrido para espantar o calor que envadia à socos a cara envelhecida. Enquanto, enquanto, enquanto. Era tudo que cabia na vigia da sombra, perseguida com o canto policial do olho mais novo. "Deus-me-livre ela morra que eu morro também de tanto-quanto", resmungava para as bandas do céu de cinco núvens já da tarde. Bem no dia mais em sol e em si do ano estancou de tanto espanto e caiu torta na porta, enfartando.


Ps: Texto criado nas tranquilas férias de julho (22/07/09), bem do meu gosto, bem no meio do mato e bem humorado. Estava esperando a contribuição de um amigo para ser publicado. A ilustração é do super, supimpa e publicitário, Douglas Menegazzi (Doug).

2 comentários:

DOUG disse...

texto ótimo. Tuas palavras tem um jeitão próprio e eu gosto disso.

Ah!Nossa, que cara demorado eim! Vc fez o texto em 22/07. Fazem dois meses já! hahaa

Bjão Drikona

Scheyla disse...

Ornou! Nossa, ornar é uma palavra bruta, mas gostei do texto+desenho+interpretações que à mente vieram. Sem sombra, sem dúvida.