26.10.16

Ñe'ë

estão comigo teus os olhos pretos enfeitados 
é presença e flutua.

olhar de quem é mbyá-guarani
de quem abriga nome e povo dentro de si

coração é terra a ser percorrida, 
coração é campo aberto

relâmpago florido,
estou sendo céu de tuas alvoradas

fumaça é cheiro que não se esquece

5.9.16

mulher parida



mulher parida, quanta manhã não adormecida, quantas noites espiando as portas da lua
me diz da tua vida, da tua lida em torno do sol
das cinco camadas no arco-íris, do nascimento no campo, da luz
da tua luta, da tua bata, da labuta
mulher parida e ardida de fogo
vejo forjar tuas pontas na água do olho
mulher da terra, parida, viu com o coração, pariu a consciência
teu mistério flutua no ar com a flor do dente-de-leão
tuas crias nascem e são as força da tua coroa.
ori.

25.8.16

amanhece

parei de morrer sem estar morta
e beijei as folhas do chão como quem deságua pecados
e enfiei a mão na terra
foi lá que deixei o sangue das nossas luas
e os cheiros pra nos lembrar
que nós nunca mais vamos morrer

zumbido

há zumbidos de cigarra no galho da minha cabeça
o som que se pode ver
são outros olhos
esquecidos abertos
no azul da cortina pintada na nuca

11.7.16

((( o )))

o tempo muda o canteiro da nuvem enquanto as montanhas ouvem enquanto o vento espalha as ondas e os brinquedos da terra |o coração coroa o silêncio e espera| ainda vejo o braço calmo das águas, são nossas, são deusas que povoam a lua |e o silêncio é solidão| o broto do capim as aves as fulozinha | solidão não é assim, estar só| a voz vem da vida antiga das pedras

19.5.16

folia

carnaval não é carvão,
é negr@.
me entoa.
balança meus brincos astrais,
no brilho da noite
me lava.

4.1.16

o sol por dentro

vi a moça amolecer o coração
pra não se tremer tanto os ossos
nem sufocar as raízes 

quis viajar o sol por dentro,
desancorou o cavalo da lua


toda vez amoleceu,
entendeu estrelas 
esperançou estradas
pedindo licença
ago, ago

tudo isso ela fez,
pra amanhecer e beijar o sol por dentro
pra anoitecer brincando a lua

minhocando II

a terra é feita de minhoca,
desconfio que também o milho e a mandioca.
uva e trigo, amendoim e caju.
os desvios se preenchem de sagrado:
um corpo de sangue-alma ancestral.


[recomposição de Ana Cordeiro]